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Bolsonaro é “ditador que propaga ódio”, diz Fabiano Contarato, primeiro senador assumidamente gay do Brasil
Polêmica
Bolsonaro é “ditador que propaga ódio”, diz Fabiano Contarato, primeiro senador assumidamente gay do Brasil
Primeiro senador a assumir publicamente a homossexualidade, sem disso fazer uma bandeira, Contarato usa um brinco de ouro na orelha esquerda, uma pulseira banhada a ouro no pulso esquerdo e duas grossas alianças de ouro.
O outro é seu marido, Rodrigo Grobério, fisioterapeuta, e recém-formado em Engenharia Civil, de 30 anos. “Eu aprendi a ser feliz depois do Biel”, disse o senador ao Estado durante entrevista em seu gabinete no último dia 20, terça. “Biscoitinho”, como Gabriel também é chamado, entre tantos dengos, foi a estrela da viagem do casal à Alemanha, por duas semanas, no recesso de julho.
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“Deus me abençoou com Biel quando ele tinha dois anos e oito meses”, contou Contarato. Era 16 de março de 2017, a data da adoção. O já então corregedor-geral do Estado do governo Paulo Hartung havia terminado o longo namoro com Grobério – “por achar que o amor tinha acabado”. Mas manteve o plano de adotar um filho, que ambos acalentavam. Ganhou até licença-paternidade, judicialmente. O fisioterapeuta soube que Biel chegara, e acabou voltando, contou o senador no quinto cafezinho dos 12 que tomou em quatro horas de conversa.
Casaram-se, de papel passado, oito meses depois, em 10 de novembro de 2017, como lembrou, por um zap, a memória afiada do marido, às voltas com o “Biscoitinho” no apartamento de Vitória, em que moram. “Tenho muita saudade”, contou o senador. “No próximo ano vem todo mundo para Brasília.”
Primeiro senador a assumir publicamente a homossexualidade, sem disso fazer uma bandeira, Contarato usa um brinco de ouro na orelha esquerda, uma pulseira banhada a ouro no pulso esquerdo e duas grossas alianças de ouro. A da mão direita é uma homenagem à mãe. A outra tem o nome do marido. Carrega uma prótese no quadril, e tem os dois braços inteiramente tatuados. “Eu mostro”, disse, depois de se livrar do paletó e arregaçar as mangas da camisa.
Presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado, Contarato tem sido, neste primeiro ano de mandato, um crítico sulfúrico do presidente Jair Bolsonaro e de seu governo. “É um ditador que propaga o ódio e estimula a violência”, diz, ajeitando os óculos, que quase nunca tira, “às vezes nem no banho”. Ainda está temeroso, como disse, das ameaças telefônicas de morte que afirma ter recebido depois de posicionar-se, inclusive judicialmente, contra decretos do presidente – o da liberação das armas, por exemplo – e de ser duro com ministros que têm ido ao Senado prestar esclarecimentos.
Chamou a atenção, no Senado, sua dura interpelação ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, que acusou de parcialidade no caso das conversas com procuradores da Lava Jato, a eles atribuídas pelo site The Intercept Brasil. O ministro se defendeu. O senador não mudou de ideia: “O Moro foi um juiz parcial – e isso é o que há de pior para a segurança jurídica. Se houver uma futura anulação de qualquer processo, ele será o único responsável”, afirmou. “Defendo a Lava Jato como um importante divisor de águas, mas ninguém está acima da lei, muito menos o juiz.”
Trajetória
Os avós Contarato, pobres, vieram da região do Vêneto, na Itália, e foram parar em Nova Venécia, no noroeste do Espírito Santo. Fabiano é o mais novo de seis irmãos – filho de motorista de ônibus que atazanou a família com a dependência alcoólica. Passaram necessidades. Com 18 ele formou-se na Escola Técnica, em Vitória, e passou a trabalhar em uma empresa de engenharia civil.
Já sentia que a orientação sexual era outra. “Eu ia para a igreja, ajoelhava e chorava para que Deus mudasse aquilo”, contou, lembrando de muita timidez, de ser alvo de bullying e do apoio importante da mãe, Gigelda, já falecida. Namorou uma colega da escola técnica – mas não rolou. Carregou o peso do segredo por toda a faculdade de Direito. Em 1992, já delegado de polícia, concursado, fez um curso curto de ator com o diretor de cinema José Mojica Marins, o Zé do Caixão. O curso ajudou a desinibi-lo. Tanto, que passou a dar aulas no curso de Direito na Universidade de Vila Velha, onde se formou.
O delegado e professor tinha 27 anos quando apareceu Marcelo, a primeira paixão. “Sabe quando bate os olhos e a gente sente uma grande afinidade?”, perguntou, emotivo, batendo os olhos. Pois assim foi. Um dia, ao acordar, no sítio de uma amiga, Contarato derreteu-se por uma flor que Marcelo deixara ao lado do colchonete. A relação durou um ano. “Foi o meu primeiro amor, o meu primeiro tudo, sofri muito quando ele me deixou”, disse o senador da Rede.
Adoçando os repetidos cafezinhos com açúcar de coco, “muito mais saudável”, Contarato declarou-se à esquerda. “Sempre fui petista, de coração, mas nunca filiado.” Votou Lula em 2002 e 2006, e Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Seria contra o impeachment de Dilma, se estivesse lá. Não entra no mérito da prisão de Lula – “é decisão judicial, não se discute” -, mas defende que ele foi “um bom presidente com avanços significativos na área social”.
Enquanto seguia dentro do armário, com portas cerradas e vida amorosa quase clandestina – teve três outros namorados antes de conhecer Grobério -, o delegado de polícia soube fazer estardalhaço por onde passou. Em uma das muitas cidades de interior, onde pastou durante anos, expulsou da delegacia um prefeito que pedira o sumiço de inquérito envolvendo parente. Na capital, mandou fechar motéis, e até o porto de Vitória, por falta de licença ambiental. “Tudo cumprindo a lei”, ressalta ele, negando intenções de pirotecnia.
Ganhou ainda mais os holofotes quando virou delegado do trânsito. Rigoroso com as infrações e indignado com as estatísticas macabras, envolveu-se emocionalmente com as famílias de vítimas fatais. Ganhou o apelido de Xerife.
Aumentou ainda mais a fama quando mandou divulgar a identidade de centenas de motoristas infratores. Pagou o pato, depois, quando o vazamento de seu prontuário mostrou que também ele era um infrator das leis de trânsito, com 15 multas ao longo de tempo.
O outro pai de Biel informou, por zap, socorrendo a memória falha do senador, que se conheceram, precisamente, em 14 de maio de 2011. Era um sábado. Os dois, solteiros, se encontraram em uma balada. “Sabe quando bate os olhos e a gente sente uma grande afinidade?”, lá vem de novo o pai do Biscoitinho. Pois assim foi. “Muita conversa, um sentimento bem agradável, eu me senti atraído”, relembrou, ajeitando a gravata cor de abóbora sobre a camisa escura. Um mês depois, na casa do delegado e professor, já estavam de cama, mesa e portas fechadas para o resto do mundo, planejando a adoção do filho, ou da filha, fosse quem fosse.
Renúncia
Em 2014 o coração petista acabou no Partido da República (PR) – então comandado, no Espírito Santo, por Magno Malta. “Foi o único que me ofereceu uma vaga para disputar o Senado, como eu queria”, disse, explicando o oportunismo eleitoral. Não se importou com o lado B de malta, polêmico e cercado de denúncias.
“Ele queria que a deputada federal Lauriete, então sua esposa, fosse minha suplente, além de ingerência total na campanha, inclusive sobre o que eu fosse falar”, contou Contarato. Malta também disse que pastores de sua seita evangélica não engoliram a homossexualidade, então ainda em segredo, pelo menos publicamente. “Jamais aceitaria ser marionete de quem quer que seja.” Deixando todos atônitos, inclusive o então governador Renato Casagrande, que o apoiava (hoje novamente governador), o Xerife bateu o pé e renunciou à candidatura. Simples assim. Seguiu tocando a vida.
As proclamas oficiais do casamento com Grobério, em novembro de 2017, acabaram com o mistério. O mundo soube, por assim dizer, mas só desabou em 2018, sob o peso do preconceito, quando ele já era de novo candidato a senador, pela Rede. Já tinham Biel – e a foto do trio circulou a toda, com comentários sórdidos, nos subterrâneos das redes sociais. Numa vingança maligna – para lembrar o Zé do Caixão que o fez ator – Contarato foi eleito com mais de 1 milhão de votos, derrotando a experiência de Ricardo Ferraço e, mais prazerosamente ainda, de Magno Malta, mais tarde jogado às traças pelo presidente Jair Bolsonaro.
Biel é uma espoleta, para usar uma definição da casa. Os pais o ensinaram a rezar, todas as noites. “Pai do céu, abençoa eu e meus dois papás, e traz um irmãozinho e um ioiô”, ele diz, como contou o senador e pai coruja. O ioiô já chegou. O irmão, ou irmã, depende da fila de adoção. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.